Alinhavando palavras #2
Nessa edição: um pouco sobre costurar e escrever e uma dica de livro que ao mesmo tempo que dói como espetar a linha na agulha, vale a pena ser lido.
Inspiração nem sempre surge na nossa mente. A musa não aparece do nada, dançando lindamente, coberta de preciosas joias todos os dias. As coisas nem sempre caem do céu. É preciso um pouco de esforço. É preciso o pontapé inicial e, vírgula após vírgula, um texto novo se costura. A linha na agulha, por exemplo. Gente que difícil que é colocar! Você olha contra a luz, enxerga aquele buraquinho minúsculo, mira no centro, tudo certo, leva a linha cuidadosamente em direção ao buraco e puff, ela abre sua ponta em mil pedacinhos. Você molha com saliva na tentativa de juntar seus pedacinhos, tenta de novo e tenta e tenta, até que uma hora a linha passa pelo orifício e você pode cortar um pedaço do fio, fazer um nó e começar a costurar sua obra-de-arte (sim, pelo tanto de trabalho que dá, moda é obra-de-arte, na minha humildade concepção). Mas uma hora, aqui entra uma nova questão, assim como no texto, a linha acaba e você precisa começar o trabalho de enfiar a linha na agulha novamente. Ou não. As ideias evaporam e você precisa continuar tentando ou finalizar o texto, vai de você. Mas sempre vale a pena ver a peça se formando pouco a pouco, aquilo que era só um projeto em sua mente tomando formas e proporções, ganhando vida bem na sua frente.
Aí vem os erros. Um ponto ficou torto. Temos que desfazer e refazer o tal ponto. Já no texto, cabe a nós, autores, um trabalho de edição. As vezes fica aquele buraquinho do furo perceptível na roupa. Às vezes, os erros passam despercebidos por nós, mas os outros veem. Pode ser que a gente seja julgado negativamente e dói. Ou pode acontecer de sermos elogiados: “olha como você escondeu bem esse furo com essa costura!”. “Olha como essa vírgula deu um duplo sentido incrível a essa frase!”.
O segredo para a boa costura é a paciência. E estar disposta a algumas alfinetadas no dedo. Um furinho na pele aqui, outro lá, picadinha de nada. Mas dói. Parece que quanto menor o furo, mais dolorido. Mas é na hora apenas, prometo. Para um bom escrito, também é necessária a calma. Tem texto que dói como cólica, que vem lá do fundo das amarguras, que mexe no mais íntimo, que dá gatilho fortíssimo. Mas passa, assim como a picada de agulha. Pensando bem, talvez doa infinitamente mais. Passageiro. Quanto à paciência, nem sempre se tem. Tem horas que ela foge mesmo. Aí é deixar a costura e o texto descansarem, fazer um intervalo, bebericar um chá quentinho de camomila. Funciona, promessa de escritora que costura.
Por ora, essa linha acabou e eu finalizo o texto por aqui, não possuo mais fio da mesma cor para continuar. Espeto minha agulha na almofadinha e deixo vocês até uma próxima ideia alinhavar na minha mente. Vejo vocês na próxima costura de palavras!
O livro O tempo entre costuras (clique no link para ser direcionado para comprar e ajudar uma newsletter iniciante!) é um dos meus preferidos da vida. A história se passa nos anos 30 e conta sobre a costureira Sira Quiroga, que troca sua vida na Espanha para ir morar no Marrocos e acaba passando pelo período de Guerra Espanhola longe de casa. Através de suas costuras, ela consegue se envolver em assuntos de guerra, nos mostrando os bastidores, vivendo as angústias e as tristezas de um conflito armado. Escrito pela espanhola María Duenãs, é impossível parar de ler. A história nos envolve, traz tanta sensibilidade sobre a guerra e nos transporta para viver nesse período difícil junto com Sira. Gosto tanto que só de reescrever sobre ele me deu uma saudade e vou relê-lo. Se alguém quiser me acompanhar me avisa, para trocarmos figurinhas sobre? Sei que foi lançada uma série que eu ainda não assisti com o mesmo nome do livro, disponível na Netflix.
E isso é tudo pessoal! See u! :*