João segurou a minha mão
E eu passei a acreditar em verdadeiras amizades que duram menos de 24 horas
Poucas vezes tive ataque de ansiedade em público. Geralmente a vergonha se sobressai e eu consigo controlar até me esconder em algum lugar seguro, onde esteja somente eu mesma, para extravasar em choro e tremeliques. O que me ataca bastante onde as pessoas podem ver é segurar a respiração e enrijecer o corpo. Ao aparecerem esses sinais, já procuro um banheiro, vou a algum lugar afastado ou volto para casa.
Só que teve esse dia em que eu não tive escolha. Eu estava nervosa demais, voltando da primeira viagem solo, deixando para trás sonhos, prestes a estar de volta à realidade assustadora, que me deixava totalmente fora da minha zona de conforto. De pernas bambas, fui caminhando e já criando mil histórias na cabeça durante o trajeto para pegar o avião. No raio x, esqueci de retirar a doleira. Tive que voltar e passar uma segunda vez. A minha mochila foi separada. Já pensei: “pronto, estou com alimento proibido”. Era só um refrigerante de gengibre, mas na minha cabeça ia acontecer como naqueles programas onde eles me levam para uma salinha e colocam um líquido químico para reagir e verificar se é droga. Nada disso aconteceu, obviamente. Recolheram meu refrigerante, explicaram que eu não poderia transportá-lo e devolveram a minha mochila. Next.
Caminhei acelerada até o avião, já segurando o choro e sentindo meu corpo tremer inteiro. Mal conseguia inspirar ar. Suor pingava no chão mesmo com o frio beirando 0 graus. Cheguei quase sufocada no voo, achei meu assento, designado pela companhia aérea e era no meio de duas poltronas, meu maior terror. Eu ficaria espremida entre duas pessoas por quase 11 horas, tendo um ataque de ansiedade. Tentei regular a respiração com exercícios para isso, mas não conseguia. Chamei a comissária que, na primeira vez, me ignorou. As máscaras nesse voo eram obrigatórias, o que me fez sentir sem ar. As lágrimas iam se formando e eu olhava para o teto do avião na tentativa de contê-las. Baixei a máscara para pegar ar. Não era mais época de pandemia, elas eram opcionais, mas, nesse voo as exigiam. A comissária veio, pedindo para que eu a colocasse novamente. Expliquei que estava prestes a ter uma crise de ansiedade, se seria possível ela me colocar em outro local sentada, no corredor, quem sabe? Haviam muitos espaços vagos. Pedi também por uma água. Algumas lágrimas rolavam sem meu controle, a visão estava prejudicada pelo embaçamento causado pelo acúmulo de água nos olhos. Sentimentos a mil rodando no peito, um peso terrível. Os dois outros passageiros que me acompanhariam ainda não haviam chegado. E a aeromoça me disse que me procuraria assim que o voo estivesse preenchido para me avisar se conseguiu outro lugar.
Ela não me procurou, mas também, não precisou.
Eu fechei os olhos e tentei respirar corretamente. O desespero tomava conta de mim. As lágrimas caíam cada vez com menos controle. Coloquei música. Mantive os olhos fechados. O corpo se retesou contra o banco apertado e pequeno. Só imaginava quando duas pessoas estivessem me enlatando como sardinha ali no meio. Lembrava também de tudo que eu estava deixando para trás e em tudo que me esperava pela frente. Doía. Muito barulho em volta. Até que ouço uma voz perguntando: “alguém vai sentar aqui nesse banco da frente?” para a comissária. Espiei de canto de olho. Era ao meu lado que ele se referia. Ela respondeu que não. Aliviou um pouco meu desespero. Eu agradecia mentalmente o moço, que vamos chamar de João, por sua pergunta, quando: “Posso sentar aqui, então?”. Eu não podia acreditar! O banco estava livre e ele escolheu sentar ali. Não podia ser verdade. A comissária devia ter me avisado para, pelo menos, eu poder sair do meio. Segurei as lágrimas que queriam cair com mais intensidade. Senti raiva, ódio, tristeza. João me pediu licença. Olhei para baixo, me levantei. Imaginei meus olhos vermelhos de chorar. Não o encarei. Ele sentou na janela que podia ter sido minha se a comissária tivesse feito o que eu pedi para fazer. Voltei a sentar em meu lugar, ao lado de João. Nesse momento eu já não sabia mais como conseguiria sobreviver as próximas 11 horas. Tudo dentro de mim queimava. Decidi que ia chorar sem segurar. Não dava mais!
“Oi, está tudo bem?” Era João INTERAGINDO comigo. “Quero dizer, eu vi que não está tudo bem, por isso pedi para sentar ao seu lado. Quero tentar te animar, você parece que vai explodir a qualquer momento. Quer conversar?”
Eu senti um alívio tão grande com esse gesto. Ele estava ali por mim.
Alguém mudou de lugar porque me observou e decidiu que, poxa, vou passar minhas próximas 11 horas do lado de uma estranha chorando. João nunca tinha me visto na vida dele. Ele não precisava ter feito isso, mas ele fez, simplesmente porque existem pessoas boas no mundo. Eu respondi, com voz embargada e lágrimas deslizando, que estava ansiosa e que tinha medo de avião. A primeira coisa que ele fez foi respirar em tempos contados comigo e me acalmar. Consegui regularizar e voltar a minha respiração, me senti mais leve e parei de chorar. Depois, ele contou sobre a viagem dele e que, embora morasse fora do Brasil desde criança, nunca havia sentado na janela de um avião, mas que, queria agora arrancar um sorriso meu. E ME OFERECEU SEU LUGAR NA JANELA! Eu recusei porque já viajei milhões de vezes na janela. E ele questionou: “mas você já viu NY pela janela?”. Recusei de novo e reiterei meu medo de voar. Ele compreendeu e pareceu pensar em uma solução. E começou a me contar piadas. Eu comecei a rir. E o objetivo número 2 desse moço incrível foi concluído.
Na hora da decolagem, um novo nervosismo. Silenciosamente, João me estendeu a mão. Devo dizer que apertei tanto seus dedos que quase os quebrei. Mas logo estávamos no céu, pedindo garrafas e mais garrafas inteiras de água, contando sobre nossas viagens e vidas, rindo juntos e fazendo análises da alimentação servida no voo como se fôssemos críticos de algum jornal.
João só me deixou de vez na esteira de malas. Voltou a me dar as mãos para o pouso no Brasil, me acompanhou na caminhada da chegada no aeroporto e fez questão de saber se eu ficaria bem.
É sobre olhar para o outro como o ser humano que você também é. Nunca o agradeci suficientemente. E provavelmente nunca o reencontre. Ou, talvez sim, ele costuma viajar bastante pelo mundo. Mas é tanta gratidão que sinto por esse garoto, que decidi contar a história. Passei a acreditar em verdadeiras amizades que duram menos de 24 horas.
📖 Terminei hoje de manhã de ler A autonomia de ir sozinha da Nancy Santos e recomendo que, se você for dar rolês sozinha e ainda não estiver conseguindo dar esse passo, que comece por esse livro e não indo para uma viagem internacional como eu fiz, hahaha. Cheio de dicas sobre como sair sozinha, para onde ir, sobre solitude e como dispersar a solidão e como fazer tudo com segurança. Até dicas para lidar com a ansiedade tem! Ah! E alguns exercícios de escrita. Livro completíssimo para aprender a curtir a própria companhia. ♥
Que história legal.
Daria um bom começo para um livro de romance hein?
Quem sabe um episódio de Modern Love.