se acolher com respeito
O texto de hoje foi sem revisão e é basicamente sobre se olhar, se cuidar e sobre adoecer em meio ao caos.
A gente precisa olhar mais pra gente mesma. E eu sempre leio textos pelo Substack a fora e imagino: tá, todo mundo bate nessa tecla. Mas, tirando o papo ~good vibes~, precisamos aprender a olhar pro nosso interior e reconhecer quando alguma coisa não vai bem. A cada recomendação de texto que recebo diariamente do Medium, por exemplo, pelo menos 2 são sobre produtividade e, embora eu não assista vídeos sobre o assunto há anos (pois pandemia me fez repensar esse conceito) o YouTube insiste em colocar no meio dos vídeos sugeridos um ou outro sobre o tema. E não há problema nenhum com a produtividade, desde que saibamos usá-la. Desde que haja também organização, priorização e respeito por si mesma. Nós, mulheres, sempre decidimos passar a vontade dos outros na frente, há algo estrutural que precisa ser quebrado e nós sabemos disso. É no papel de boazinha e cuidadora, como há anos somos ensinadas a nos portar, que vamos nos engolindo, nos calando, nos negando e tentando impressionar ao outro. Não falar alto, não se impor, não ser raivosa – Deus a livre de ser raivosa! -, aguentar dores mensais como cólicas em silêncio pois há algo de vergonhoso em sangrar todo mês naturalmente, seguir ordens sem questionar, extrapolar horários, trabalhar fora e em casa numa dupla jornada e ainda por cima não descuidar da imagem, porque, ora ora, mulher que não se cuida é desleixada. Já colocou sua depilação em dia? Já acordou 1 hora mais cedo para passar sua maquiagem? Já fez manicure essa semana?
É nessas idas e vindas, cobranças e silenciamentos, que a gente implode. Por dentro, vamos remoendo tantas obrigações. Por fora, somos dignas de Oscar: sorriso no rosto e uma posição de “sim, amém” a todo instante.
Só que chega um momento em que, não se engane, o corpo cobra.
Não tive um final de ano fácil em 2022. Claro que seria besteira falar em felicidade sob um governo antidemocrático e negacionista como o que vivíamos. Mas, muito embora meu ano inteiro estivesse correndo bem no âmbito pessoal, foi a partir de setembro que as coisas desandaram. No Dia da Independência perdi parte de mim. Meu cachorro, de 16 anos e 7 meses, me deixou. Foi embora. Deu seu último suspiro. O amor da minha vida não existia mais assim, de uma hora para outra. O serzinho que deitava comigo e segurava todas as minhas crises de choro, me acalmando, partiu. Levou com ele metade do meu coração. E a sensação que deixou foi de um buraco enorme, de que algo ficou faltando. Até hoje. Não há um dia sequer que não penso nele. Não há um choro que eu não pergunte: “por que você não está aqui?”. Ao perder um dos meus alicerces, me vi sem controle da própria vida. E como a gente vive na ilusão de que tem controle de tudo, não é mesmo?
A segunda situação aconteceu no final do ano, já em dezembro. Eu estava no meio de um treinamento sensacional para o lado profissional, mas minha mãe passou por uma cirurgia que prometia que dias alegres viriam na mesma semana. Alta assinada no sábado dia 10. Mas ela passou mal e foi encaminhada para a UTI antes de conseguir sair do hospital. Como somos ensinadas a sempre olhar o lado bom das coisas, ainda bem que ela não passou mal na estrada – ou poderia ter sido fatal. Meu Deus, colocando isso por escrito, me pergunto de onde é que a gente tira a ideia de que devemos ignorar os momentos de desespero e assumir uma postura de “podia ser pior, vamos ser ~gratidão~ pura”? Por que estamos sendo condicionadas a negar a realidade, a sentir o que de fato está acontecendo, por qual motivo o nosso mundo atual nos obriga a buscar sempre o otimismo? E aqui não defendo que sejamos pessimistas – por favor! Mas que haja realismo. Que a gente não negue o que precisa ser sentido. Nesse instante de encaminhamento para UTI, um teto caiu sobre mim. Cadê meu bebê de quatro patas para me confortar? Sozinha, chorei um dia inteiro em um quarto de hotel. Sozinha, fui encontrar meus irmãos na estrada, para retornar para Sorocaba, a noite.
Alguns dias de angústia foram necessários. Dias que não vou narrar, porque não vem ao caso. Eu sinto que vivi o verdadeiro inferno na Terra. Mas recebi o melhor presente de Natal: minha mãe encontra-se bem, viva, com saúde e se recuperando da cirurgia em casa. Mas também entendi que é preciso sentir.
Eu precisei me permitir ser triste.
Mas eu insisti em dar conta porque, como ouvi diversas vezes, sou mulher, precisamos ser multitarefas, esse é nosso papel. Eu daria conta. Até que meu corpo disse CHEGA. Eu adoeci fisicamente. E agora, ainda de cama, me pergunto quando é que eu iria parar de exigir tanto de mim.
Eu não me respeitei. Com o emocional quebrado, choros frequentes quando estava no carro dirigindo sozinha, eu me dizia: “tudo bem, esse é o momento em que adultos podem chorar: sozinhos no carro”. Mas eu sabia que algo estava estressante demais, cansativo demais, que de todo lado surgiam demandas demais que eu não estava dando conta. Eu disse não pra mim até que meu corpo me estapeou: “olha aqui, querida, você vai parar por bem ou por mal”. E é assim que me encontro. Doente. Mas com a alma mais descansada. Começando a me dizer sins.
Esse ano, não fiz metas porque não tive tempo. Mas aqui está a única que 2023 já chegou me cobrando: OLHAR PARA MIM MESMA. Quem não tem um ponto de chegada, pode não ver a luz no fim do túnel e aí é que mora o perigo. Eu me perdi e não enxergava uma saída que não fosse insistir. Mas entendi, de maneira nada agradável que eu preciso me acolher. Que eu preciso me respeitar, me cuidar e me honrar. Que os outros não farão isso por mim, por mais que eu me esforce para agradá-los. Sou eu quem tenho que me impor. E foda-se (olha aqui o palavrão que não podemos falar!) se a vida me ensinou que eu não deveria me impor. É meu corpo quem clama: por favor, fale por mim, eu estou aqui pra você, esteja por mim também.
No momento estou lendo o livro “Aurora: o despertar da mulher exausta” da Marcela Ceribelli e me reconhecendo em muitas partes. Ele foi de grande inspiração para esse texto, pois me fez refletir muito. Uma delícia ter me dado ele de presente de natal e também estar, aos poucos, retomando o hábito da leitura.
E isso é tudo pessoal! See u! :*
adorei as reflexões e concordo super.
na real essa positividade tóxica é mais um dos sistemas ideológicos do capitalismo: "vc não tá conseguindo pagar o mercado, se endividando no banco para conseguir encher o tanque do carro para ir trabalhar, não tem um momento de lazer? a vida é assim mesmo relaxa e coloca um sorriso no rosto" enquanto isso grandes empresários lucram com a desgraça e o ex presidente da república compra dezenas de imóveis com, provavelmente nosso, dinheiro vivo.
sinto muito pela sua perda e fico feliz que sua mãe esteja bem.
bom 2023!