Sobre jabuticabas e o rei do futebol
Tão brasileira é a jabuticaba quanto Pelé é nosso símbolo futebolístico.
Quando eu era pequenina e mais destemida, não fugia de altura como hoje em dia fujo e me arriscava a subir no telhado da minha antiga casa através de uma escada de madeira, dessas móveis, para alcançar a jabuticabeira do vizinho. Desviando de marimbondos, me dependurava nos galhos para colher a fruta arroxeada que não agradava tanto o meu paladar, apesar de sempre estar docinha. Eu ainda preferia, roxo por roxo, as uvas. Felicidade era, antes de me aventurar a subir, olhar para cima, enxergar aqueles cachos com as jabuticabas graúdas e, escondida do pai e da mãe, subir pela escada. Às vezes uma ferpa perfurava meus dedos e eu queria chorar. Mas a verdade é que deixar o caldo doce das frutas escorrer por entre as mãos assim que eu as colhia não fazia arder mais: logo eu esquecia da dor.
Tão brasileira é a jabuticaba quanto o rei Pelé é nosso símbolo futebolístico. Argentina pode até cultivar a fruta, assim como também teve um excelente jogador rival: Diego Maradona. Mas sinceramente, duvido que o argentino cultivava em sua casa de infância uma árvore tão nacional. Sim, Pelé cresceu comendo jabuticabas de sua própria árvore e prefiro acreditar que, diferente de mim, ele as amava. Maiores do que as que tinham no quintal do meu vizinho, mas de coloração igual, as jabuticabas do quintal do rei eram tão doces que nem eu pude resistir e me deliciei com elas. Depois de adulta, me vi refazendo aquele ato de quando eu era criança de colher as bolinhas roxas direto do pé, dessa vez em Três Corações, cidade com cerca de 80 mil habitantes, em Minas Gerais e onde em 23 de outubro de 1940 nascia Edson Arantes do Nascimento.
A Casa Pelé hospedou o menino-rei até os três anos de idade, então, na real eu não sei se ele já se aventurava a provar jabuticabas ou se se quer conseguia colher a fruta da árvore. Não sei se a doçura que se fez de meu alimento também forneceu vitamina C para o ídolo da nação naqueles longínquos 70 anos que separaram minha visita da época em que Pelé lá viveu. Mas sei que conhecer um pouco de onde nasceu a criança que posteriormente venceu copas do mundo mexeu comigo. Embora a maior parte dos móveis do museu sejam apenas réplicas fiéis, o que me chamou muito a atenção é que o berço é o original. O que ninou os sonhos do pequeno Pelé está intacto em seu local de origem, junto às jabuticabas que continuam nascendo a cada primavera/verão.
O tempo de colheita da jabuticaba é curto. De agosto à setembro e de janeiro à fevereiro. Fui em dezembro de 2013 conhecer Três Corações. Não acredito que tenha sido sorte encontrar a jabuticabeira carregada de frutas. Acredito que tenha sido sincronicidade da vida. Dessas que a gente precisa estar atenta para ver e aproveitar, sabe? Precisa abrir os olhos para realmente enxergar, olhar em volta, colher a oportunidade e saboreá-la. Acreditar e não deixar passar a chance, assim como fez o próprio Pelé.
Em janeiro desse ano, logo depois da triste morte do jogador em dezembro, assisti com a minha mãe ao filme Pelé: O Nascimento de Uma Lenda. Mamis se recuperava de uma cirurgia no joelho, que foi, aliás, o que impossibilitou o pai do jogador de também seguir carreira no futebol. Sejam pelas jabuticabas que vieram imediatamente na minha cabeça, seja pela coincidência, seja pela garra retratada no excelente storytelling do roteiro, chorei vendo o filme. Com uma impecável interpretação de Seu Jorge como pai do rei e produção do próprio Pelé, a história contada obviamente destaca o jogador em detrimento dos outros, porém, nos toca fundo ao tratar de assuntos como morte, desigualdade social e preconceito – principalmente o racial. Interessante conhecer mais do ser humano por trás do jogador.
No final das contas, fiz esse texto pra me lembrar de ser mais jabuticaba e mais Pelé. Assim como ele, espero ter perseverança para vencer os percalços da vida e chegar longe e que, assim como as frutas, eu consiga crescer e me doar. Também espero que, assim como crianças eu e você saibamos arriscar mais, subir mais escadas sem medo das ferpas e que, mesmo adultos, a gente possa reviver essa magia de ser criança. :)
A Casa Pelé fica localizada na rua que leva o nome do jogador, Edson Arantes do Nascimento, no Nº 1.000, no Centro de Três Corações. Podia ser Nº 10, né não?
Música boa para acompanhar a newsletter de hoje é de outros mestres que já se foram desse mundo: Chorão e Champignon.
Você nasceu pra brilhar, o sol está em suas mãos
Livre eu vivo, livre eu sou
Camisa 10 joga bola até na chuva
Sem sequer imaginar no que viria a ser melhorEu não sou envolvido, mas meu papo não faz curva
(...)
Nessa vida eu quero amor, paz, sossego e liberdade
Sempre bom rever Chavinho dizendo que “teria sido melhor ir ver o Pelé”.
Curiosidade: no original, El Chavo del 8, Chaves na verdade diz que quer ver “El Chanfle”, um filme do próprio Roberto Bolaños. Quem prefere a versão dublada põe o dedo aqui, que já vai fechar... 1, 2, 3! (Porém segue vídeo do original caso você seja curioser como yo):
Pelé: O Nascimento de uma Lenda pode ser assistido no GloboPlay.
E isso é tudo pessoal! See u! :*